IGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS PARA FINS SALARIAIS REFORÇADA NA CLT

A Lei nº 14.611/2023 altera dispositivos da CLT para reafirmar garantia constitucional de isonomia salarial entre os gêneros, além de criar obrigações para as empresas no sentido de estabelecer mecanismos de transparência e de apuração interna dos possíveis desequilíbrios.

Publicada no último dia 03 de julho, a Lei nº 14.611/2023 se apresenta como mais um passo no sentido de garantir a isonomia de tratamento entre gêneros no mercado de trabalho, mirando em um dos pontos centrais da questão: a igualdade salarial e de critérios remuneratórios.

Atualmente, quase metade das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres[1] e dessa parcela são responsáveis pela educação e sustento dos filhos, com mais horas acumuladas entre os papéis sociais desenvolvidos. Apesar disso, há grandes contrastes de salários, oportunidades de empregos e ocupação de cargos de importância hierárquica nas organizações quando comparada aos homens[2].

Dados do IBGE dão conta de que, no fim do ano de 2022[3], a diferença de remuneração entre homens e mulheres (em média) é de 22%, distorção que pode ser atribuída, ao menos em parte, a uma dificuldade em operacionalizar a proteção legal que já era prevista.

Com o interesse de suprir essa lacuna, a alteração legislativa tem dupla funcionalidade: em primeiro plano, muda de patamar as sanções aplicáveis em caso de violação, seja pelo fato de assegurar à empregada vítima de discriminação a possibilidade de, para além de receber as diferenças salariais, pleitear em juízo uma indenização por dano moral pela ofensa, seja pela ampliação do valor da multa aplicável, agora estabelecida em 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador à(o) empregada(o) discriminada(o), elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.     

Em segundo plano, pela adoção de um conjunto de medidas dentre as quais se prevê o estabelecimento de um mecanismo de transparência salarial e de critérios remuneratórios, associado ao incremento da fiscalização contra a discriminação e os critérios de remuneração inter-gêneros, além da disponibilização de um canal de denúncias específico. Isso vem em compasso com uma remobilização das instituições de fiscalização – o que se denota da abertura de concurso público para 900 novos auditores fiscais do trabalho, ainda mais quando prevista, de forma literal, a criação de um protocolo próprio de fiscalização para o tema.

A Lei contempla, ainda, para além do viés fiscalizatório e punitivo, um viés pedagógico, na medida em que prevê a promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre gêneros no mercado de trabalho, bem como o fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho, com vistas ao estímulo das contratações e da competitividade.

Mais, a Norma impõe que as empresas que tenham 100 ou mais empregados publiquem, semestralmente, relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, observada a proteção conferida pela LGPD, de forma a permitir a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.

O aspecto instrumental é reforçado na medida em que, quando verificado o desequilíbrio nas questões tuteladas pela Norma, fixa a obrigação da empregadora em apresentar e implementar um plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho, sem prejuízo da aplicação de uma multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

A mudança oferece mais um passo à frente no sentido de equilibrar o mercado de trabalho, propiciando meios de diversificação da gestão e com potencial realizador dentro do espectro da Governança Ambiental e Social, na medida em que se insere num conjunto de novas ferramentas no aparato normativo como, por exemplo, o Programa Emprega Mais Mulheres que, entre outras medidas, ampliou a competência da CIPA (https://corelaw.com.br/combate-ao-assedio-passa-a-ser-materia-da-cipa/) .

Há um movimento amplo para se aderir à agenda 2030 da ONU[4] para um desenvolvimento mais sustentável e, nesse aspecto, o Judiciário[5] segue o mesmo sentido. Recentemente, o CNJ institui o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todo o Judiciário com adoção de políticas judiciárias voltadas para a questão de gênero e edições de resoluções sobre diversos temas, mais  uma iniciativa no sentido de alinhamento com as medidas globais.

Como se vê, as implicações trabalhistas são amplas e importantes, sobretudo quando identificadas situações que estejam no escopo da nova Lei, mas não são únicas. Existe um traço relevante a ser observado no que concerne à forma de apresentação da publicação do relatório acima mencionado, quanto às implicações da Lei Geral de Proteção de Dados, o que inspira cuidados adicionais.  

Diante do novo cenário e das prováveis necessidades de adaptação ou adequação, estamos disponíveis para esclarecer melhor o tema e para oferecer soluções personalizadas para a sua empresa. 


[1] GLOBO. Publicada em 23 de janeiro de 2022. Consultada em 11 de julho de 2023. https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/01/23/maes-empreendedoras-pesquisa-revela-que-487percent-das-familias-sao-chefiadas-por-mulheres.ghtml 

[2] IBGE. Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Consultada em 11 de julho de 2023. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html

[3]ESTADÃO. Publicada em 08 de março de 2023. Consultada em 06 de julho de 2023. https://epocanegocios.globo.com/brasil/noticia/2023/03/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-vai-a-22-aponta-ibge.ghtml

[4] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Sobre o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Consultada em 11 de julho de 2023. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs 

[5] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação orienta magistratura brasileira a seguir Protocolo de Perspectiva de Gênero. Publicada em 8 de fevereiro de 2022. Consultada em 11 de julho de 2023. https://www.cnj.jus.br/recomendacao-orienta-juizes-brasileiros-a-seguirem-protocolo-de-perspectiva-de-genero/     

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Roberto Cunha