Confira a entrevista concedida por Mauro Faustino ao site Geocracia

Mauro Faustino, sócio do CORELAW, deu um depoimento sobre o trabalho da Geocracia (https://duediligence.geocracia.com/#quemsomos) que vem auxiliando o escritório ao aplicar de forma eficaz as melhores práticas de geotecnologias para identificar rapidamente diversos riscos associados a propriedades, como irregularidades no Cadastro Ambiental Rural (CAR), falta de descrições e questões ambientais, como ausência de áreas de preservação permanente.

A regularização fundiária é a razão de existir do direito imobiliário

O direito imobiliário envolve uma série de questões jurídicas relacionadas à propriedade e posse de imóveis, como transações imobiliárias, direitos reais sobre imóveis, locação, condomínio, usucapião, entre outros. Além disso, o direito imobiliário também se relaciona com outras áreas do direito, como o direito ambiental, urbanístico e tributário, em razão das complexidades envolvidas na propriedade e uso de imóveis.

Para Mauro Faustino, sócio fundador da Rennó, Salla, Faustino, Carvalho e Moraes Advogados e especialista em formação de áreas para incorporações imobiliárias, faz uma precisa exposição sobre os grandes desafios imobiliários do país e afirma que a regularização fundiária, que pressupõe o uso de ferramentas geoinformacionais como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), é a razão de ser para que se possa acessar todos os direitos que a propriedade confere: posse regular, sua defesa, direito e acesso ao crédito, funcionamento regular de atividades empresariais ou agropecuárias na terra etc.

Acompanhe abaixo a entrevista concedida a Geocracia.

A falta de regularização fundiária e o grande número de imóveis sem registro é um grande desafio para o Direito Imobiliário? Como resolver?

Primeiramente é importante definir o que é e qual a importância da regularização fundiária.

A regularização de imóveis é a utilização pelo Estado (podendo-se considerar aqui uma verdadeira política que envolve a população, meio ambiente, estruturas e equipamentos urbanos etc.) ou pelo particular de instrumentos jurídicos para promover a adequação da situação jurídica de imóveis rurais ou urbanos. É o famoso “compliance” (adequação à lei) que nesse caso pode ser dividido (em grandes linhas) entre a esfera registral e cadastral.

A registral é a propriedade: título de aquisição acrescido ao registro em cartório da situação do imóvel; e a cadastral, bem mais ampla e que deve ser adequada a cada espécie de imóvel: p. ex. (a) se urbano, deve ter o cadastro em situação regular – adequada ao registro (área de terreno, área construída, em nome dos atuais proprietários etc.); e (b) se rural, deve ter o cadastro (CCIR) em situação adequada à Lei – comandado pelo INCRA – declaração completa de Imposto Territorial Rural também conforme legislação, CAR (Cadastro Ambiental Rural), IBAMA etc. em ordem também.

Uma outra (e terceira) esfera que deve também ser observada para a adequação à Lei é a situação real, ou seja, o que efetivamente está no imóvel, sua forma de ocupação, utilização, construção, enfim, se tudo isso está de acordo com a legislação federal, estadual e municipal. A situação real deve estar confirmada pelas duas anteriores esferas (a registral e a cadastral).

Em outras palavras, de nada adianta, uma fazenda 100% regular no registro e no cadastro, mas que foi totalmente invadida e desmatada, com construções ribeirinhas, irregulares e assim por diante.

O mesmo vale para um imóvel urbano: se tudo perfeitamente adequado estiver no registro e cadastro, nada disso vai adiantar se houver uma construção inadequada à legislação urbanística que não possui o certificado de ocupação emitido pela Municipalidade (o que permite obter-se os alvarás para ocupação e licenciamento de funcionamento visando o desenvolvimento de atividades no local; de novo, de forma regulares).

E por que isso tudo é importante? Ora, é mais óbvio do que parece: acessar todos os direitos que a propriedade confere: posse regular, sua defesa, direito e acesso ao crédito, funcionamento regular de atividades empresariais ou agropecuárias na terra etc. De outra sorte, a regularidade também evita a instabilidade jurídica, afastando conflitos, grilagem de terras, problemas ambientais, dentre outros.

Em conclusão, eu diria que a regularização fundiária não só é o desafio do direito imobiliário, mas também a sua grande razão de existir.

Os conflitos de propriedade, como disputas sobre terras, são cada vez mais frequentes e complexos. Em sua opinião, o que as entidades governamentais podem fazer para facilitar a segurança jurídica dos proprietários?

Desenvolver e efetivamente implantar – de maneira acertada – uma política de Estado visando à regularização fundiária.

Não tem outra forma, a não ser seguir os passos de sempre: cadastrar, planejar e executar. E isso vem sendo feito há alguns anos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo INCRA. A maior dificuldade será sempre a nossa extensão territorial continental e a complexidade na qualificação das diversas espécies de imóveis no Brasil (Rural x Urbano, bioma, propriedade, cadastro, legislação aplicável etc.). A solução já sabemos: fiscalização, efetivo necessário para tanto, órgãos em todo o país, aumento da presença do Estado, regulamentação, solução amigável de conflitos, melhorias nas burocracias daquelas que não puderem ser amigáveis, digo, as que forem para o Judiciário e assim por diante.

Um dos grandes marcos e enorme referência dessa política de estado é a Lei da Amazônia Legal (Lei nº 11.952/09 e seu Decreto Regulamentador nº 6.992/09).

A importância dessa lei foi conferir à regularização um tratamento prático e concreto, de modo a alcançar seus objetivos ao disciplinar no direito uma situação real. Conseguiu, assim, garantir aos ocupantes ou beneficiários o direito ao domínio (ou direito real de uso) à terra que estejam usando, respeitando-se os requisitos legais, claro.

A lei prioriza a função social da propriedade – direito fundamental da nossa Constituição Federal. Procura também garantir o acesso ao direito à propriedade particular, desde que sejam respeitados o meio ambiente e o trabalho na terra do indivíduo na exploração sustentável dela. Apesar de delimitar e citar as terras da União Federal dentro dos limites da Amazônia Legal [(a) aproximadamente 5 milhões de km²; (b) quase 60% do território brasileiro; (c) o maior bioma do planeta Terra, o Amazônico, com 1/3 das florestas tropicais úmidas e 20% da água potável no mundo; (d) mais de 750 municípios; (e) mais de 24 milhões de pessoas (aproximadamente 12% da população brasileira), sendo 70% destas moradoras de áreas urbanas e os restantes 30% moradores de áreas rurais], a Lei também traz instrumentos jurídicos para a regularização urbana, definindo as suas características e procedimentos.

Outro marco foi a recente Lei da Regularização Fundiária Rural e Urbana (Lei nº 13.465 de 2017). Ela trouxe outras tantas definições e novos procedimentos para que a regularização passe a ser mais rápida e efetiva.

A urbanização acelerada e a crescente demanda por imóveis colocam pressão sobre as leis imobiliárias e a regulamentação para equilibrar a proteção dos direitos dos proprietários com o interesse público. Como enfrentar a gentrificação (processo de modificação da cidade que leva ao seu encarecimento do custo de vida aprofundando a disparidade social)?

De novo, penso que a solução passa por política de transformação urbana. O município de São Paulo – em seu Plano Diretor, Zoneamento e Código de Obras – é referência nessa orientação do desenvolvimento e crescimento da cidade. Megalópole que é, a capital do Estado de São Paulo, procura, como a Municipalidade diz: “…garantir uma cidade mais moderna, equilibrada, inclusiva, ambientalmente responsável, produtiva e, sobretudo, com qualidade de vida”. A gentrificação vem ocorrendo em São Paulo, p. ex., no centro que, por políticas urbanas, vem recebendo um aporte de capital maior em empreendimentos imobiliários. A cidade não é estanque, é transformação, às vezes, revolução que pode sim desencadear algumas mudanças irreversíveis (por vezes boas e outras tantas ruins).

E isso não ocorre somente em cidades. Veja o exemplo de Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul, em que uma fábrica de celulose multinacional resolveu instalar uma mega fábrica no município. O que ocorreu com o preço do hectare, do aluguel de casa na cidade, de tudo por lá? Explodiu. Isso poderia ter sido evitado? Deveria? Ficou melhor ou pior para os habitantes da cidade que lá moravam? Todas essas perguntas merecem reflexão e um grande debate.

Não quero aqui entrar em discussão política e/ou ideológica, mas no sistema capitalista em que vivemos, o dinheiro pode ser uma força imparável.

O crescimento do investimento imobiliário e a especulação imobiliária têm desafiado as leis e regulamentos imobiliários em muitos países. É possível identificar como está o Brasil?

Especular é tão antigo quanto o dinheiro na humanidade: comprar (de preferência barato) e vender (mais caro, claro) no futuro visando o lucro. Isso é feito com carro, boi e qualquer outro bem. Dentro de nosso sistema capitalista, a especulação é algo legítimo, mas tem que ser feita dentro da lei.

Vejo uma confusão enorme sobre este termo – especulação imobiliária –, tanto na imprensa geral e especializada, como por quem está efetivamente trabalhando no mercado imobiliário e, ainda pior, por aqueles que são responsáveis pela política urbana.

Não pode simplesmente comprar um terreno; deixando-o fechado e sem qualquer uso; e esperar ficar milionário depois de alguns anos com a venda para uma incorporadora que vai pagar milhões de reais por seu metro quadrado de terreno. Pela lei (Constituição Federal, Código Civil etc.,), a função social da propriedade tem de ser respeitada. Ou seja, é preciso dar um uso à sua coisa que atenda ao bem geral de todos. Cito novamente o caso da cidade de São Paulo que vem utilizando os mecanismos previstos no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) e que foram regulamentados pelo seu Plano Diretor e demais leis urbanísticas, como o IPTU progressivo chegando-se mesmo à desapropriação, para que os imóveis atendam à sua função social.

Chamar de especulação imobiliária a ação de invadir terras públicas (ou particulares), protegidas por leis e restrições ambientais, para se erigir condomínios luxuosos ou derrubar mata para colocar gado (e, nos dois casos, ganhar com isso vendendo imóvel no futuro), entendo que é um disparate. Isso tem outra definição e sabemos bem como chamá-la.

Mas afinal, o que seria então a especulação imobiliária?

Comprar e vender no futuro com lucro acompanhando-se o preço de mercado ditado por outros tantos fatores como taxa de juros, inflação, lei da oferta e da procura, localização e outros. Um investidor do mercado imobiliário faz isso sempre e há produtos, como: comprar na planta em incorporação imobiliária, adquirir um lote e construir uma casa; comprar casa antiga, reformando-a e entregando uma nova; tudo visando lucro futuro; que pegam mais preço (diferença de aumento de dinheiro considerando o tempo de aporte e saque do montante investido).

Na minha opinião, qualquer medida pública que tente alterar preços, tabelá-los ou mesmo a mera ingerência do Poder Público nessa questão afronta as mesmas bases do sistema nosso capitalista, sendo nada recomendável.

Há algumas iniciativas privadas, como o índice que a Revista Exame (‘especulômetro’, salvo engano) vem publicando na cidade de São Paulo, que mede o preço pedido / ofertado pelo efetivamente fechado em negociação. A simples divulgação do preço efetivo negociado já dá uma maior transparência às partes na hora da negociação (o que não impedirá jamais um preço além da média em casos específicos como o de bem imóvel exclusivo, uma localização ímpar e assim por diante).

As mudanças climáticas e suas consequências, como inundações, deslizamentos de terra e aumento do nível do mar, estão afetando a segurança e a viabilidade de muitos imóveis. Como os municípios em áreas sensíveis deveriam contingenciar seus territórios?

Recentemente, tivemos mais uma tragédia – demasiada anunciada – no litoral norte de São Paulo com o deslizamento de terras em topo de morro, com perdas de vidas e prejuízos enormes.

Muito já foi escrito e falado sobre essa questão que volta à tona todo santo ano quando temos esse tipo de acontecimento.

Infelizmente vai acontecer de novo. Como evitar?

Acho que a resposta passa de novo por política urbana: cadastrar, planejar e executar. A responsabilidade é dos Municípios pela Constituição Federal (artigo 182) e o Estatuto da Cidade.

Terrenos ocupados irregularmente (pode ter sido áreas públicas de preservação ambiental ou áreas verdes particulares – APP – Área de Preservação Permanente – ou Reserva Legal) não podem simplesmente receber um título de posse (ou mesmo de propriedade), luz, água e esgoto e pronto. O Poder Público tem parcela de responsabilidade por deixar essa situação se alastrar por tantos anos. Ainda mais se a área não tiver drenagem suficiente, a tragédia vai ocorrer de novo. De duas uma: ou a área é regularizável (ainda que seja trabalhosa, custosa e demorada) ou não é. O mais apropriado, óbvio, é realocar essas pessoas para locais apropriados (o que sabemos, nem sempre é possível).

Muitos urbanistas e até mesmo o Ministério Público já escreveram cartilhas com um passo a passo de como bem enfrentar essas situações; é quase um guia para os Municípios. Falta mesmo é fazer. Enfrentar essa situação delicadíssima. Penso que o Município pode buscar ajuda no setor privado também tentando algumas parcerias para melhoramentos urbanos, construção de novas moradias etc. Isso tem que ser feito devagar e a convivência com o risco será inevitável durante a solução do problema, devendo ser buscada formas de sua mitigação.


Fonte: https://geocracia.com/a-regularizacao-fundiaria-e-a-razao-de-existir-do-direito-imobiliario/

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Roberto Cunha