A lei dos distratos e aplicação da Súmula 543.

Em junho de 2021 foi realizado o seminário virtual “Poder Judiciário e o Mercado Imobiliário: Um diálogo necessário sobre a Súmula 543, do STJ”, com participação do ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), além dos ministros Luis Felipe Salomão, Paulo de Tarso Sanseverino e Villas Bôas Cueva, além de especialistas na área.

O seminário abordou a influência do Poder Judiciário no mercado imobiliário, considerando as mudanças provocadas pelo Covid-19, a edição da Súmula 543/STJ de 2015 e a lei dos distratos, que avalia entendimentos já consolidados pelo Superior Tribunal, referente à impossibilidade de acúmulo de valores pelas incorporadoras, por ocasião da rescisão contratual com culpa exclusiva desta. Assim dispõe a súmula:

Súmula 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (SÚMULA 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015) (DIREITO DO CONSUMIDOR – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL).

Necessário compreender o próprio contexto de criação da súmula em comparação com o que está sendo operado no mercado imobiliário atualmente (sopesando os últimos tempos conflituosos no Brasil e sua situação econômica, além dos próprios impactos que a pandemia vem causando em diversos setores sociais).

Em 2015, ano de criação da súmula, houve uma crise no mercado imobiliário, em razão do crescimento de ações judiciais, além de um alto padrão de quebras contratuais, tanto amigáveis quanto litigiosas, de modo que a cada 100 imóveis, aproximadamente 40 eram devolvidos às incorporadoras. Com o advento da súmula, nos casos de inadimplemento por parte da incorporadora, esta teria que devolver todos os valores pagos pelo consumidor, e por outro lado, o adquirente poderia ter a retenção parcial do valor pago, caso este tenha dado causa à resolução. Um ponto importante era o fato de a devolução dos valores já pagos ter que ser feita necessariamente de forma imediata, impedindo o parcelamento.

MUDANÇAS CAUSADAS PELA PANDEMIA NO SETOR DA CONSTRUÇÃO E A ECONOMIA BRASILEIRA.

O direito imobiliário e a construção civil têm influência significativa na economia Brasileira, além do impacto social de desenvolvimento de áreas, diante do grande déficit de moradias no Brasil. Contudo, com o advento da pandemia do Covid-19, estima-se que 387 empresas do setor imobiliário sofreram grande impacto negativo, decretando falência, enquanto 371 tiveram pedidos de recuperação judicial. Somando-se a atual situação, houve ainda aumento do número de distratos (rescisões), aproximadamente referentes à 20 mil unidades, prejudicando a retomada econômica do setor e, claro, das construtoras.

Desse modo, o Poder Judiciário se viu obrigado a atuar de modo mais incisivo para contornar situações negativas devido às grandes mudanças sociais e econômicas que o Brasil vem sofrendo, trazendo novas interpretações para os atuais problemas. Nesse sentido, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) defendeu a necessidade de haver maior diálogo entre os Tribunais, os órgãos de defesa do consumidor e as incorporadoras que são instituições muito presentes no setor imobiliário de construção. Diante desse cenário, buscava-se trazer algumas melhorias, pelo menos em teoria, com a aplicação da Súmula 543, considerando que “a judicialização de conflitos no setor imobiliário costuma se prorrogar no tempo, com efeitos não apenas para os contratantes, como também para a economia, a sociedade e os tribunais”, segundo este, dando importância ainda às súmulas nesse contexto, ajudando na pacificação de conflitos já muito decorrentes.

Trazendo foco para as incorporadoras, Claudio Hermolin (Presidente da ADEMI – RJ (Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro e da Brasil Brokers, uma imobiliária multimarcas) opinou que o número de distratos pode trazer um significativo desequilíbrio econômico, quando dificulta a quitação do financiamento bancário das construtoras, podendo atrasar ainda o próprio andamento da construção.

ALGUNS PROBLEMAS ENFRENTADOS COM A APLICAÇÃO DA SÚMULA 543 X A LEI DOS DISTRATOS Nº 13.786/2018

O ministro do STJ, Villas Bôas Cueva, também participante do seminário virtual sobre a súmula 543, alegou estar ocorrendo com bastante frequência interpretações equivocadas da súmula, o que gera grandes impactos negativos no mercado imobiliário, devendo ocorrer a devida distinção entre as figuras do adquirente, do comprador e do investidor, além de analisar melhor as próprias hipóteses legais para aplicação do instituto do distrato. Alega o ministro que “um número excessivo de demandas de devolução imediata de valores integrais pelos incorporadores ameaça a própria higidez do empreendimento e, muitas vezes, faz com que os adquirentes se vejam na situação de lidar com incorporadores em recuperação judicial e tenham que assumir, eles próprios, a finalização do empreendimento”. Portanto, a aplicação ostensiva da súmula pelos tribunais, foi usada como argumentação não apenas nas relações de consumo entre incorporadora e adquirente, como também nas relações em que há a figura do investidor, que ocorre em 50% dos casos, gerando consequências que afetam diretamente o mercado imobiliário, desequilibrando as relações dentro desse contexto.

Houve também certa insegurança jurídica quanto a aplicação da súmula em detrimento da Lei dos distratos, tendo em vista a limitação no uso da referida súmula com o tempo e o próprio advento da lei que justamente procurou regular o desfazimento de contratos. O ministro Sanseverino mencionou entendimentos jurisprudenciais sobre o assunto ao citar que “…atualmente, a jurisprudência do STJ compreende que, em relação aos contratos anteriores à Lei 13.789/2018, segue vigendo o entendimento consolidado por meio da Súmula 543. Naturalmente, a nova lei será aplicada às demandas que chegarem após a sua implementação”.

Ocorre que em alguns casos, ainda que o contrato tenha sido celebrado durante a vigência da nova lei, os Tribunais continuam aplicando a súmula 543, gerando insegurança jurídica e permitindo que a jurisprudência considere a possibilidade do “distrato imotivado” em todo e qualquer caso. Entende-se que decisões desse tipo, que passam por cima da letra da lei, comprometem as incorporações imobiliárias, os demais adquirentes das unidades e a própria economia. 

Nesse cenário, há muitas discussões sobre o tema, diante das mudanças inevitáveis que o mercado imobiliário passará com o decorrer do tempo, ainda mais para situações imprevisíveis que afetam diretamente esse setor, como no caso da pandemia do Covid-19. Contudo, espera-se avanços significativos, diante da importância da atividade das incorporadoras para a recuperação da economia brasileira e para questões sociais, devendo o Poder Judiciário tomar decisões coerentes que levem em consideração a atual realidade brasileira.

A equipe de Direito Imobiliário do Corelaw está à sua disposição para esclarecimento de dúvidas sobre o assunto, aplicação aos casos concretos, além de ajudar na aquisição de unidades autônomas, distratos, e outros assuntos do setor, bem como solucionar demais desafios enfrentados pelo seu negócio com soluções práticas e inteligentes.

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Roberto Cunha